sábado, 15 de setembro de 2012

A Colonização inglesa - texto de Leandro Karnal

I) INTRODUÇÃO

“Os Estados Unidos não existiam. Quatro séculos de trabalho, de derramamento de sangue, de solidão e medo criaram esta terra. Construímos a América e o processo nos tornou americanos – uma nova raça,enraizada em todas as raças, manchada e tingida de todas as cores, uma aparente anarquia étnica. Então,num tempo pequeníssimo, tornamo-nos mais semelhantes do que éramos diferentes – uma nova sociedade; não grandiosa, mas propensa, por nossas próprias faltas, à grandeza, e pluribus unum.”
                                                                                                                                          Steinbeck

II) A FORMAÇÃO DA NAÇÃO

“Ó admirável mundo novo em que vivem tais pessoas!”

Shakespeare

Por que os Estados Unidos são tão ricos e nós não? Essa pergunta já provocou muita reflexão. Desde o século XIX a explicação dos norte-americanos para seu “sucesso” diante dos vizinhos da América hispânica e portuguesa foi clara: havia um “destino manifesto”, uma vocação dada por Deus a eles, um caminho claro de êxito em função de serem um “povo escolhido”.No Brasil sempre houve desconfiança sobre a ideia de um “destino manifesto” que privilegiasse o governo de Washington. Porém, muito curiosamente, criou-se aqui uma explicação tão fantasiosa como aquela. A riqueza deles e nossas mazelas decorreriam de dois modelos históricos: as colônias de povoamento e as de exploração. As colônias de exploração seriam as ibéricas. As áreas colonizadas por Portugal e Espanha existiriam apenas para enriquecer as metrópoles. Nesse
modelo, as pessoas sairiam da Europa apenas para enriquecer e retornar ao país de origem. A América ibérica seria um local para suportar um certo período, extrair o máximo e retornar à pátria européia. Da mesma forma que aventureiros e degredados que enchiam nossas praias, o Estado ibérico também só tinha o interesse na exploração do Novo Mundo e obter os maiores lucros no menor prazo possível. Sobre portugueses e espanhóis corruptos e ambiciosos pairava um Estado igualmente corrupto e ambicioso. O escritor Manoel Bonfim consagrou, no início do século XX, a metáfora desse Estado: a coroa ibérica seria idêntica a um certo molusco que só possuía
sistema para entrada e saída de alimentos. Estado sem cérebro, sem método, sem planejamento: apenas com aparelho digestivo-excretor – essa era a imagem consagrada do português que nos pariu.

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: 

Aula sobre a Colonização do Estados Unidos. Inevitavelmente nos deparamos com a distinção entre colônias de povoamento e colônias de exploração e, então, um estranho sentimento de alívio: "Ah, então, é por isso que o Brasil se tornou um país subdesenvolvido e os Estados Unidos, uma potência?" Não, porque essa diferença foi inventada pela historiografia. "Mas, então, qual a diferença entre as colonizações do Brasil e dos Estados Unidos?" Nenhuma. A diferença somente aparece porque não se entende muito bem o sentido das colonizações.

Toda colônia moderna (da Idade Moderna, 1453-1789) foi formada com o propósito de ser explorada. Assim como Portugal e Espanha, a Inglaterra também queria um território que obrigatoriamente produzisse matérias-primas baratas e comprasse produtos manufaturados. E ela conseguiu. Se apropriou de um território pertencente à Espanha e instalou ali sua colônia.
O problema é que todo projeto de colonização necessitava de dinheiro, principalmente, para a fiscalização, para garantir que o conhecido Pacto Colonial fosse cumprido. Afinal, de que adiantava investir em um território que poderia ser usufruído por todos os outros países?
No entanto, a Inglaterra almejou mais do que podia bancar e acabou concetrando a fiscalização no sul das Treze Colônias para evitar que seus produtos mais importantes, como o algodão, fossem negociados com potências concorrentes. Dessa forma, por várias décadas, as colônias do norte sofreram menos pressão e, em consequência, acumularam mais capitais em vez de gerar lucros à sua metrópole. Quando, na segunda metade do século XVIII, a Inglaterra havia se tornado rica e poderosa, já era tarde para reivindicar e forçar o cumprimento do Pacto Colonial por suas colônias do norte, e a guerra pela independência estourou.
Mas, ainda existe uma diferença: a grande propriedade do sul em oposição à pequena propriedade no norte. Também não é isso que explica as definições de colônia de povoamento e de exploração. A distribuição de terras no sul da Treze Colônias, assim como no Brasil, foi fruto de investimentos da metrópole. Para um dono poder garantir a produção de terras tão extensas foram necessários financiamentos de mão-de-obra, de sementes e ferramentas, ou seja, investimento da metrópole inglesa. Agora, se para as colônias do norte não havia tanto dinheiro para a fiscalização, também não era viável receber tanto investimento. Assim, as colônias do norte, que possuíam menos capital, acabaram formando propriedades bem menores e, portanto, uma maior distribuição de renda. Esse sim pode ter sido um dos motivos para o surgimento de um Estado rico, com uma democracia muito mais representativa que a nossa.
No entanto, tamanho de propriedade não define modelo de colonização e, na Idade Moderna só existiu um tipo de colônia, a de exploração.



III) A ASCENSÃO DOS TUDOR

É impossível entender a colonização inglesa e suas particularidades senão levarmos em conta a situação da própria Inglaterra. Já no século XV, a Inglaterra enfrentava o mais longo conflito da história: a Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Lutando contra um inimigo comum, os ingleses
começam a pensar no que os unia, no que era ser inglês. Porém, mal terminada a Guerra dos Cem Anos, a ilha é envolvida numa violenta guerra civil: a Guerra das Duas Rosas (1455-1485). A família York (que usava uma rosa branca como símbolo) e a família Lancaster (que usava uma rosa vermelha) submergiram o país em mais três décadas de violência. Qual a importância das duas guerras para a Inglaterra? A luta contra a França estimulou certa unidade na ilha, reforçando o chamado “esplêndido isolamento”, como os ingleses denominaram seu relativo afastamento do
continente. A sucessão de guerras colabora também para enfraquecer a nobreza e suscitar no país o desejo de um poder centralizado e pacificador.
A dinastia Tudor (1485-1603), que surge desse processo, torna-se, de fato, a primeira dinastia absolutista na Inglaterra. A família Tudor no governo seria responsável pela afirmação do poder
real inglês em escala inédita. Um país cansado de guerras ofereceu-se à ação dos Tudor sem grandes resistências. A expressão “país cansado” pode dar a ideia de que a Nação seja um indivíduo. Quem é “o país”? Nesse momento, é importante destacar que as guerras atrapalhavam as atividades produtivas e comerciais. Logo, uma das partes do “país” que estava mais cansada era
constituída por burgueses que, em sua maioria, queriam um poder forte e centralizado. A outra parte do “país”, que poderia oferecer resistência – os nobres –, tinha sido duramente atingida pelas guerras.O poder dos Tudor aumentou ainda mais com a Reforma religiosa(século XVI). Usando como justificativa sua intenção de divórcio, o rei Henrique VIII rompeu com o papa e fundou o anglicanismo, tornando-se chefe da Igreja na Inglaterra e confiscando as terras da Igreja Católica.

Os dois maiores limites ao poder real eram os nobres e a Igreja Católica. Graças à Reforma e à fraqueza da nobreza inglesa, esses limites foram eliminados ou diminuídos durante a dinastia Tudor. Se o inimigo francês fora a realidade do fim da Idade Média, na Moderna ele seria substituído pelo “perigo espanhol”, ou seja, o risco de a Espanha invadir a Inglaterra. Esse risco foi bastante alto (ao menos até a derrota da Invencível Armada da Espanha, em 1588). Um inimigo forte e agressivo no exterior refreia críticas internas. Atacar o rei, condutor da nação, diante
do risco nacional permanente, parecia uma traição. No século XVI, o nacionalismo na Inglaterra fortaleceu-se. O que significa isto: mesmo com todas as diferenças, cada inglês olha para o outro e sente que há pontos em comum, coisas que os diferenciam dos franceses e espanhóis, formando laços de união entre eles. Os ingleses estavam desenvolvendo a “modernidade política”. Mas no


moderno. O que valia até aqui pode não valer mais, é isso que as feiticeiras dizem aos ingleses que assistem a sua fala. Ricardo III segue os passos de Macbeth. Que outra figura a literatura que ela consistia? Basicamente, seria uma ação política independente da teologia e da moral. Em outras palavras, a ação dos príncipes modernos não procura levar em conta se o que fazem é moralmente correto. Os príncipes modernos agem porque tal ação é eficaz para atingir seus objetivos, dentre os quais o maior é conseguir o poder absoluto. Na história política da Inglaterra,
entre o final da Idade Média e o início da Moderna, esse tipo de príncipe foi comum. Eram príncipes reais, concretos, sem fumos divinos ao redor do trono.
Essa memória política pôde servir de base para personagens de Shakespeare como Macbeth e Ricardo III. Mesmo ambientando suas cenas na Escócia medieval ou na Inglaterra do século anterior ao seu, Shakespeare remete à memória política dos ingleses, marcada pela astúcia, violência e, acima de tudo, por um apego à realidade. Macbeth faz de tudo para conseguir o trono da Escócia. Mata, trai e personifica um tipo particular de política não muito distante daquele a que
os ingleses haviam assistido no princípio da Idade Moderna. A fala das feiticeiras da peça Macbeth mostra que esse é um mundo em que os valores estão em transformação: “O belo é feio e o feio é belo”. Da guerra nasce uma relatividade nos valores tradicionais, uma das características do
terá criado com tamanha maldade e falta de escrúpulos? Ele é capaz de matar crianças e supostos amigos; feio, disforme, repugnante de corpo e alma. Ricardo, duque de Glócester, nos obriga a rever o conceito de maldade. Não obstante, Shakespeare o faz personagem central de uma peça.
No final de Ricardo III, Shakespeare anuncia o fim da guerra civil e o advento da paz com o início do governo Tudor. Era preciso descrever como era terrível o rei que antecedeu a dinastia para a qual o poeta trabalhava. Mesmo querendo realçar a ruptura entre Ricardo  III e Henrique VII, Shakespeare acaba nos mostrando quanto a Inglaterra é fruto também de modernidade política,
seja ela York, Lancaster ou Tudor. O dramaturgo distancia-se o suficiente do poder para analisá-lo, e este, bem ou mal exercido, torna-se um conceito. É possível, então, jogar com ele, distanciar-se, relativizar. Apesar do proverbial amor shakesperiano à ordem e a poderes absolutos e sua repulsa figadal a agitações populares, o bardo instalou uma modernidade extraordinária. Veja-se essa notável modernidade moral quando o vilão Iago (Otelo, o Mouro de Veneza – Ato I, cena III) rejeita qualquer traço externo a suas escolhas pessoais e proclama o primado absoluto da sua vontade individual:



"Só de nós mesmos depende ser de uma maneira ou de outra. Nossos corpos são
jardins e nossa vontade é o jardineiro. De modo que, se quisermos plantar urtigas
ou semear alfaces, criar flores ou arrancar ervas, guarnecê-lo com um só gênero de
plantas ou dividi-lo em muitos para torná-lo estéril por meio do ócio, ou fértil à
força da indústria, muito bem!; o poder, a autoridade corretiva disto tudo residem
em nossa vontade. Se a balança de nossas existências não tivesse o prato da razão
como contrapeso à sensualidade, o sangue e a baixeza de nossa natureza nos
conduziriam às mais desagradáveis conseqüências. Mas possuímos a razão
 para esfriarnossas furiosas paixões, nossos impulsos carnais, 
nossos desejos desenfreados."

O homem é livre. Não existe sina, estrela ou destino. Em vez da política dinástica e da crença na legitimidade do poder real, a Inglaterra entra na Idade Moderna tendo convivido com a relatividade desses valores. Mas a Inglaterra também passa a conviver com outra questão moderna: a
diversidade religiosa.
Henrique VIII casara-se seis vezes. Ao casar-se pela segunda vez, rompera com a Igreja de Roma, tornando-se chefe da Igreja inglesa: a Igreja Anglicana. Ao morrer, deixa como herdeiro seu filho Eduardo VI, de tendências calvinistas. O curto reinado de Eduardo VI é seguido pelo de Maria  I,
alcunhada de “sanguinária” pelos ingleses. Maria recebeu esse apelido ao reprimir com grande violência os protestantes e tentar reinstalar o catolicismo na Inglaterra, chegando mesmo a casar-se com o rei Filipe II da Espanha, tradicional inimigo. Ao morrer sem deixar herdeiros, Maria abre o caminho do poder para sua meio-irmã, Elizabeth  I, que por quase cinqüenta anos afirmou o anglicanismo como religião da Inglaterra. Difícil imaginar a importância da religião no século XVI. Romper com Roma, negar a autoridade do papa, sucessor de São Pedro e figura que por
muitos séculos os ingleses respeitaram, representa muito mais do que uma ruptura política. Os ingleses e o rei, ao fundarem uma nova Igreja, criaram também uma nova visão de mundo. O rei desejou casar-se novamente, o papa não autorizou, o rei casou-se mesmo assim. Apesar de todas as justificativas bíblicas que Henrique VIII usou, o que ele fez foi afirmar a supremacia de sua vontade individual sobre a tradição. Em outras palavras, Henrique VIII usa sua liberdade contra a tradição, quebra o que “sempre foi” e torna válido um ato de rebeldia.
Por meio século, os ingleses conviveram com súbitas mudanças de orientação nas diretrizes religiosas do país. Ao contrário de uma Espanha que se unificava em torno do catolicismo, expulsando judeus e muçulmanos e perseguindo as vozes discordantes, a Inglaterra conheceu
a relatividade religiosa.



No século XVII, quando se iniciou a dinastia Stuart, a ilha estava fragmentada em inúmeras denominações protestantes, vários focos de resistência católicos e a Igreja Anglicana oficial.

IV - O SÉCULO XVII E OS STUART

A Inglaterra estava em transformação. Primeiramente quanto à população: havia 2,2 milhões de ingleses em 1525 e esse número passaria a 4,1 milhões em 1601. A Revolução Agrícola e o progresso das manufaturas fizeram da era Tudor um momento de prosperidade.
No século XVII, intensifica-se o processo de cercamentos (enclosures) que tinham se iniciado no final da Idade Média. As velhas terras comuns e os campos abertos, indispensáveis à sobrevivência dos camponeses, estavam sendo cercados e vendidos pelos proprietários, principalmente em função do progresso de criação de ovelhas. O capitalismo avançava sobre o campo e o desenvolvimento da
propriedade privada excluía muitos trabalhadores. Para diversos camponeses, o fim das terras comuns foi também o fim da vida no campo.
O êxodo rural cresce consideravelmente. As cidades inglesas aumentam e o número de pobres nelas é grande. É dessa massa de pobres que sairá grande parte do contingente que emigra para a América em busca de melhores condições.
Esse processo de cercamentos e de êxodo rural foi analisado por Karl Marx, que destaca as grandes transformações decorrentes dele. O rápido crescimento econômico e as mudanças súbitas de valores criam uma época em que, segundo Marx, “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. As
cidades se transformam. Não há verdades absolutas. O mundo tradicional fica diluído inclusive com a ascensão de novos grupos sociais, como a burguesia e a pequena nobreza inglesa.
A política inglesa do século XVII convive com o espírito de Macbeth – a “política moderna” – anteriormente explicada: os jogos de poder e a luta pelo mundo. A dinastia Stuart, ao tentar governar sem a rédea do Parlamento, entra em colisão com uma parte da sociedade da ilha. Estoura a Guerra Civil e a Revolução Puritana. O novo líder da Inglaterra, Cromwell, manda matar
Carlos I. O regicídio tinha sido comum nas conspirações da história da Inglaterra, porém, pela primeira vez um rei era morto após um julgamento, como os franceses fariam no século seguinte com Luís XVI. Ao matarem Carlos I, os ingleses estavam declarando: os reis devem servir à nação e não o contrário. Os juízes, em 1649, declararam que Carlos I era “tirano, traidor, assassino e inimigo público”. Como disse o historiador Christopher Hill, a ilha da Grã- Bretanha tinha virado a “ilha da Grã-loucura”. A necessidade concreta de grupos particulares pode vencer tradição e leis. Isso é importante para reforçar o que já tratamos várias vezes: o conceito de modernidade política.


“Os reis devem servir à nação e não o contrário”. Uma sessão no Parlamento inglês, 1641.
Moderna novamente, a Inglaterra torna-se sede da primeira e efetiva revolução burguesa da Europa (por levar os burgueses ao controle do poder político), que, mais tarde, formularia a Declaração de Direitos, estabelecendo novas bases para a política. Era a Revolução Gloriosa, que depôs mais um
Stuart em 1688. No mesmo ano, a França vivia o apogeu do absolutismo sob o governo de Luís XIV, os portugueses eram dominados pela dinastia de Bragança e os espanhóis continuavam sob o poder dos Habsburgo. Os choques constantes entre rei e burguesia, entre a religião oficial e
grupos reformados, bem como choques entre grupos mais democráticos e populares contra grupos burgueses — tudo isso colabora para tornar o século XVII um momento conturbado na história da Inglaterra e ajuda a explicar o pouco controle inglês sobre suas colônias.

Outro fator tornava as vidas inglesa e européia bastante difíceis nos séculos XVI e XVII: a alta de preços. A inflação dos produtos de primeira necessidade estava associada à abundância de ouro e prata que jorrava da Espanha pelo continente. Os metais retirados da América empurravam os preços para cima e, como costuma acontecer, atingiam a classe baixa de forma particularmente

violenta. As perturbações sociais nesses séculos são constantes. A fome e a peste, filhas da inflação e do aumento populacional, varrem a Europa.
Essa situação da Inglaterra explica a inexistência de um projeto colonial sistemático para a América e a própria “ausência” da metrópole no século XVII. Há a falta de um referencial uniforme que norteie a colonização. As perseguições religiosas que marcaram o período também estimularam
muitos grupos minoritários, como os quakers, a se refugiarem na América.
O aumento da pobreza nas cidades favorece grupos sem posses a ver na América a oportunidade de melhorarem sua vida e serem livres. Os ingleses que vêm para a América trazem uma tradição cultural diversa da espanhola ou portuguesa. Os colonos ingleses, por exemplo, convivem com
mais religiões. O senso do relativo que a história inglesa ajudara a formar estabeleceria uma possibilidade de opção bem maior, uma visão de mundo mais diversificada para nortear as escolhas de vida feitas na nova terra. O Estado e a Igreja oficial, na verdade, não acompanharam os colonos
ingleses. Aqui eles teriam de construir muita coisa nova, inclusive a memória.
No entanto, uma nova memória só foi possível graças às transformações que a própria história inglesa havia sofrido desde o final da Idade Média e a conseqüente criação de novos referenciais culturais. O fantasma de Macbeth acompanhou os colonos. Suficientemente fluido para permitir a criatividade. Suficientemente nítido para resistir à travessia do Atlântico.



sistemático da colonização. A Inglaterra, entretanto, não ficou apenas concentrada no roubo dos navios ibéricos e nos saques da costa. Ainda no final do século XV, encarregara John
V- O INÍCIO
A presença européia na América é bem anterior ao século XV. Temos provas concretas da presença de vikings no Canadá quase cinco séculos antes de Colombo. Porém, apenas a partir de 1492 uma imensa massa de terras, com mais de 44 milhões de quilômetros quadrados torna-se um

horizonte para a presença colonizadora dos europeus.

A princípio donos do oceano Atlântico, portugueses e espanhóis dividiram o Novo Mundo entre si. Os ingleses contestam a validade de Tordesilhas e praticam a pirataria oficial como corsários. Por muitos anos, o saque de riquezas dos galeões espanhóis foi mais tentador do que o esforço
Cabot de explorar a América do Norte. A marca do desconhecido é evidente na carta que Henrique VII entrega ao italiano. O rei concede o que ninguém sabe
o que é, a América, entregando a Cabot quaisquer ilhas, quaisquer nativos,
quaisquer castelos que o navegante encontrasse... A América é um mundo de
incertezas, terra do desconhecido, mas capaz de atrair expedições em busca de

riquezas. De concreto, Cabot encontraria bacalhau no atual Canadá. Das terras espanholas começavam a chegar notícias crescentes de muita riqueza, como o ouro e a prata retirados do México e do Peru. A América cada vez mais passa a ser vista como um lugar de muitos recursos e de possibilidades econômicas. Comerciantes e aventureiros, a Coroa inglesa e pessoas comuns nas ilhas britânicas agitam-se com essas notícias. A ideia da exploração vai se tornando uma necessidade aos súditos dos Tudor. Cada ataque que o corsário inglês Francis Drake fazia aos ricos galeões espanhóis no Atlântico estimulava essa ideia. Pérolas das Filipinas ornam as jóias da rainha Elizabeth. Ouro saqueado de Lima ou do Rio de Janeiro por piratas ingleses incendeiam a imaginação britânica.




VI - O DIFÍCIL NASCIMENTO DA COLONIZAÇÃO

Como vimos, os ingleses não foram pioneiros na América. Também não o foram no território dos atuais Estados Unidos. Navegadores como Verrazano, a serviço da França, Ponce de Leon, a serviço da Espanha, e muitos outros já
tinham pisado no território que viria a ser chamado de Estados Unidos. Hernando de Soto, por exemplo, batizou como Rio do Espírito Santo um
imenso curso d’água que viria a ser conhecido como Mississipi. Essas primeiras aproximações européias do território dos Estados Unidos já causaram um efeito duplo sobre as imensas populações indígenas da região. Primeiro, foram trazidas doenças novas como o sarampo e a gripe, que causaram milhares de vítimas entre os povos nativos, absolutamente despreparados para esse contato biológico. Também restaram cavalos nas terras da América do Norte, trazidos e depois abandonados pelos conquistadores, tomando-se selvagens. Esses cavalos passaram a ser, depois
de domados, utilizados pelos índios, que assim modificavam suas táticas de guerra e seus meios de transporte. Ignorando as pretensões de outros soberanos, a rainha Elizabeth  I concedeu permissão a sir Walter Raleight para que iniciasse a colonização
da América. Sir Walter estabeleceu – em 1584, 1585 e 1587 – expedições à terra que batizou de Virgínia, em homenagem a Elizabeth, a rainha virgem.
Em agosto de 1587, nascia também Virgínia, a primeira criança inglesa na América do Norte, filha de Ananias e Ellinor Dare. A cédula de doação a  sir Walter assumia um tom que iniciava um verdadeiro processo de colonização:Walter Raleight poderá apropriar-se de todo o solo dessas terras, territórios e regiões por descobrir e possuir, como antes se disse, assim como todas as cidades, castelos, vilas e vilarejos e demais lugares dos mesmos, com os direitos, regalias, franquias e jurisdições, tanto marítimas como outras, nas ditas terras ou regiões ou mares adjuntos, para utilizá-los com plenos poderes, para dispor deles, em todo ou em
parte, livremente ou de outro modo, de acordo com os ordenamentos das leis da Inglaterra [...] reservando sempre para nós, nossos herdeiros e sucessores, para atender qualquer serviço, tarefa ou necessidade, a quinta parte de todo o mineral, ouro ou prata que venha a se obter lá.
(25 de março de 1585)


O projeto que estava sendo montado no final do século XVI em muito se assemelhava ao ibérico. O soberano absoluto concede a um nobre um pedaço de terra assegurando seus direitos. Pouca coisa diferenciava  sir Walter de um donatário brasileiro do período das capitanias hereditárias.
Além dessa semelhança, notamos a mesma preocupação metalista no documento: a fome de ouro e prata que marca a era do Estado Moderno. A Coroa, impossibilitada de promover ela própria a colonização, delega a outros esse direito, reservando para si uma parte de eventuais descobertas de ouro e prata. A aventura de sir Walter, no entanto, fracassou. O sistema colonial que
parecia esboçar-se com sua cédula morreu com ele. Os ataques indígenas aos colonizadores, a fome e as doenças minaram a experiência inicial da Inglaterra. A ilha de Roanoke (na atual Carolina do Norte), sede dessas primeiras tentativas, estava deserta quando, em 1590, chegou uma expedição de reforço para os colonos. O líder da expedição que tinha vindo salvar a colônia desaparecida encontrou apenas a palavra “Croatoan” escrita numa árvore. Talvez a palavra indicasse uma tribo ou um líder indígena próximos. Ninguém foi achado. O Novo Mundo tragou seus debutantes ingleses. Na Inglaterra, apesar da derrota da Espanha e da Invencível Armada, o
perigo da invasão espanhola permanecia. Até o final do século XVI não houve outras tentativas de colonização sistemática da América do Norte.

NOVA CHANCE PARA A VIRGÍNIA

No início do século XVII, já sob a dinastia Stuart, a Inglaterra reviveu o impulso colonizador. Passou o perigo espanhol imediato, o país estava tranqüilo e a necessidade de comércio avançava. A estabilidade alcançada na era Tudor continuava a dar frutos. Mais uma vez, porém, a Coroa entrega a particulares essa atividade. Não mais nobres individuais, mas as companhias
como a de Londres e a de Plymouth. As companhias foram organizadas por comerciantes e apresentavam todas as características de empresas capitalistas. Aqui, ao contrário da América
ibérica, define-se uma colonização de empresa, não de Estado. A Companhia de Plymouth receberia as terras e o monopólio do comércio entre a região da Flórida e o rio Potomac, restando à Companhia de Londres as terras entre os atuais cabo Fear e Nova York. Separando as duas concessões havia uma região neutra, para evitar conflitos de jurisdição.
Nessa área, os holandeses aproveitaram para fundar colônias, das quais a mais famosa daria origem à cidade de Nova York. Curiosamente, ao chegarem à região, os holandeses compraram a ilha de Manhattan pelo equivalente a 24 dólares em contas e bugigangas. Os vendedores, os índios canarsees, acabavam de vender ao líder holandês Peter Minuit um dos pedaços mais



valorizados do mundo atual: o centro da cidade de Nova York, chamada, no século XVII, de Nova Amsterdã. A cédula de concessão à Companhia de Londres falava dos objetivos de catequese dos índios da América do Norte: “[...] conduzirá, a seu devido tempo, aos infiéis e selvagens habitantes desta terra até a civilização humana e um governo estabelecido e tranqüilo [...]”. No entanto, mesmo que esse fosse o desejo do rei James I, nenhum projeto efetivo de catequese aconteceu
na América. As companhias não estabeleceram práticas para a conversão dos índios ao cristianismo (conversão é atitude própria de epopéia, aventura, não de empresa capitalista). A atitude diante dos índios nessa fase inicial foi praticamente a mesma ao
longo de toda a colonização inglesa na América do Norte: um permanente repúdio à integração do índio. O universo inglês, mesmo quando eventualmente favorável à figura do índio, jamais promoveu um projeto de integração. O índio permaneceu um estranho – aliado ou inimigo –, mas sempre estranho. As duas companhias não durariam muito. Em 1624, a Companhia de
Londres teria sua licença caçada. Igual destino teve a Companhia de Plymouth em 1635, ambas com grandes dívidas.

Apesar dos fracassos, a colonização tinha ganhado um impulso que não

cessaria. As dificuldades foram imensas. Só para se ter uma idéia de quantos obstáculos havia, 144 colonos tinham partido para a fundação de Jamestown. Apenas 105 colonos desembarcaram e, passados alguns meses, a fome mataria outra parcela importante dessa comunidade. A fome inicial era tanta que cães, gatos e cobras foram utilizados como alimentos e um colono foi acusado de fatiar o corpo da sua esposa falecida e utilizá-lo como refeição. Não bastassem todos esses problemas, havia ainda traições e ataques de índios. George Kendall, por exemplo, foi o primeiro inglês executado por espionagem na Virgínia acusado de trabalhar secretamente para o rei da Espanha. Um começo muito difícil.




VII - QUEM VEIO PARA A AMÉRICA DO NORTE?

O processo de êxodo rural na Inglaterra acentuava-se no decorrer do século XVII e inundava as cidades inglesas de homens sem recursos. A ideia de uma terra fértil e abundante, um mundo imenso e a possibilidade de enriquecer a todos era um poderoso ímã sobre essas massas.
Naturalmente, as autoridades inglesas também viam com simpatia a ida desses elementos para lugares distantes. A colônia serviria, assim, como receptáculo de tudo o que a metrópole não desejasse. (A ideia de que para a América do Norte dirigiu-se um grupo seleto de colonos altamente instruídos e com capitais abundantes é, como se vê, uma generalização incorreta.)

A própria Companhia de Londres declarara, em 1624, que seu objetivo era: “a remoção da sobrecarga de pessoas necessitadas, material ou combustível para perigosas insurreições e assim deixar ficar maior fartura para sustentar os que ficam no país”. Ao contrário de Portugal, nação de

pequena população, a Inglaterra já vivia problemas com seu crescimento demográfico no momento do início da colonização dos Estados Unidos. Portugal sofreu imensamente com o envio dos contingentes de homens para o além-mar. A Inglaterra faria da colonização um meio de descarregar
no Novo Mundo tudo o que não fosse mais desejável no Velho. Mas a ideia de “colônias de povoamento” parece sobreviver a tudo...
Em 1620, a Companhia de Londres trazia cem órfãos para a Virgínia. Da mesma maneira, mulheres eram transportadas para serem leiloadas no Novo Mundo. E natural concluir que essas mulheres, dispostas a atravessar o oceano e serem vendidas na América como esposas, não eram integrantes da aristocracia intelectual ou financeira da Inglaterra. Poucos podiam pagar o alto preço de uma passagem para a América. Esse fator, combinado à necessidade de mão-de-obra, fez surgir uma nova forma de servidão nas colônias: a servidão temporária (indenturent servant).
O sistema consistia em prestar alguns anos de trabalho gratuito à pessoa que se dispusesse a pagar a passagem do imigrante. O transporte desses servos era feito sob condições tão difíceis que houve quem o comparasse ao tráfico de escravos africanos. Em vários momentos e lugares, o servo
temporário foi a principal força de trabalho branca das colônias.
Nem todos os servos eram voluntários para essa situação. Uma dívida não saldada poderia também reduzir o devedor a esse trabalho forçado no período de, geralmente, sete anos. Raptos de crianças na Inglaterra para vendê-las como empregadas na América, prática muito comum no século
XVII, eram outra fonte de servidão. Mesmo entre os servos que aceitavam o contrato de servidão para o pagamento da passagem, a situação não era tranqüila. Ao longo do século XVII, ocorrem várias rebeliões de servos na América do Norte, reivindicando melhores condições de vida.


OS PEREGRINOS E A NOVA INGLATERRA

Nem só de órfãos, mulheres sem outro futuro e pobres constituiu-se o fluxo de imigrantes para as colônias. Há, minoritariamente, um grupo que a História consagraria como “peregrinos”.
A perseguição religiosa era uma constante na Inglaterra dos séculos XVI e XVII. A América seria um refúgio também para esses grupos religiosos perseguidos. Um dos grupos que chegou a Massachusetts em 1620 tinha como líderes John Robinson, William Brewster e William Bradfort,
indivíduos religiosos e com formação escolar desenvolvida. Ainda a bordo do navio que os trazia, o Mayflower, esses peregrinos firmaram um pacto estabelecendo que seguiriam leis justas e iguais. Esse documento é chamado “Mayflower Compact” e sempre é lembrado pela historiografia norte-americana como um marco fundador da idéia de liberdade, ainda que o documento dedique longos trechos à gloria do rei James da Inglaterra.
A chegada ao território que hoje é Massachusetts não foi fácil. O navio aportou mais ao norte do que se imaginava. O clima era frio e o mar congelava. O inverno na região era mais rigoroso do que o inglês. O primeiro ano dos colonos na terra prometida custou a vida de quase a metade dos peregrinos.
Pouco antes de a nova estação fria chegar, em 1621, os sobreviventes decidiram fazer uma festa de Ação de Graças (Thanksgiving). Os colonos utilizaram sua primeira colheita de milho, já que a plantação de trigo europeu tinha falhado, e convidaram para a festa o chefe Massasoit, da tribo
wampanoag, que os havia auxiliado desde a sua chegada. O cardápio foi reforçado com uma ave nativa, o peru, e tortas de abóbora. Desde então, os norte-americanos repetem, no mês de novembro, a festa de Ação de Graças, reiterando a idéia de que eles querem ter os “pais peregrinos” de Massachusetts como modelo de fundação. Os “pais peregrinos” (pilgrim fathers) são tomados como fundadores dos Estados Unidos. Não são os pais de toda a nação, são os pais da parte “WASP” (em inglês, white anglo-saxon protestant, ou seja, branco, anglo-saxão
e protestante) dos EUA. Em geral, a historiografia costuma consagrá-los como os modelos de colonos. Construiu-se uma memória que identificava os peregrinos, o Mayflower e o Dia de Ação de Graças como as bases sobre as quais a nação tinha sido edificada. Como toda memória ela precisa obscurecer alguns pontos e destacar outros. Os “puritanos” (protestantes calvinistas) tinham em altíssima conta a idéia de que constituíam uma “nova Canaã”, um novo “povo de Israel”: um grupo escolhido por Deus para criar uma sociedade de “eleitos”. Em toda a Bíblia procuravam as afirmativas de Deus sobre a maneira como Ele escolhia os seus e as repetiam com freqüência. Tal como os hebreus no Egito, também eles foram perseguidos na Inglaterra. Tal como os hebreus, eles atravessaram o longo e tenebroso oceano, muito semelhante à travessia do deserto do Sinai. Tal como os hebreus, os puritanos receberam as indicações divinas de uma nova terra e, como veremos adiante, são freqüentes as referências ao “pacto” entre Deus e os colonos puritanos. A idéia de povo eleito e especial diante do mundo é uma das marcas mais fortes na constituição da cultura dos Estados Unidos.



Diante de uma desgraça, como a seca de 1662 na Nova Inglaterra, os puritanos ainda encontravam novos paralelos com a Bíblia: Deus também castigara os judeus quando estes foram infiéis ao pacto. Deus salva a poucos, como os pregadores puritanos costumavam afirmar. Fiéis à tradição dos reformistas Lutero e Calvino, a predestinação era uma ideia forte entre eles. Para manter sua identidade e a coesão do grupo, os puritanos exerceram um controle muito grande sobre todas as atividades dos indivíduos. A ideia de uma moral coletiva onde o erro de um indivíduo pode comprometer o grupo é também um diálogo com a concepção da moral hebraica no deserto.
O pacto Deus-povo é com todos os eleitos. A população das colônias crescia rápido, passando de 2.500 pessoas em 1620 (sem contar índios) para três milhões um século depois. Nesse grande
contingente, embrião do que seriam os Estados Unidos, misturam-se inúmeros tipos de colonos: aventureiros, órfãos, membros de seitas religiosas, mulheres sem posses, crianças raptadas, negros e africanos, degredados, comerciantes e nobres. Tomar, assim, os peregrinos protestantes como padrão é reforçar uma parte do processo e ignorar outras.



COLÔNIAS DO NORTE

As colônias do Norte da costa atlântica apresentam o clima temperado semelhante ao europeu. Dificilmente essa área poderia oferecer algum produto de que a Inglaterra necessitasse.


Essa questão climática favoreceu o surgimento, único no universo colonial das Américas, de um núcleo colonial voltado à policultura, ao mercado interno e não totalmente condicionado aos interesses metropolitanos.
A agricultura das colônias setentrionais destacava o consumo interno, com produtos como o milho. O trabalho familiar, em pequenas propriedades, foi dominante.
Nas colônias da Nova Inglaterra (parte norte das 13 colônias) surge uma próspera produção de navios. Desses estaleiros, favorecidos pela abundância de madeira do Novo Mundo, saem grandes quantidades de navios que seriam usados no chamado comércios triangulares ou intercontinental.



OBS: O alargamento do mercado externo
Mau grado as políticas proteccionistas dos estados europeus, os produtos ingleses impunham-se no continente, quer pela sua excelente qualidade, quer pelo seu baixo preço. Mesmo a França não conseguia resistir-lhes: quando, em 1786, os dois países acordam a redução mútua de tarifas alfandegárias (Tratado de Éden), uma invasão de têxteis e ferragens ingleses invadiu os mercados franceses, provocando enormes protestos por parte dos fabricantes nacionais.
Era, porém, dos longínquos mercados transoceânicos que os ingleses retiravam maiores dividendos.
Mais de metade da frota britânica singrava em direcção às Américas, quer directamente, quer passando pela periferia africana, inscrevendo-se nas rotas do comércio triangular.
O triângulo comercial que ligava os três continentes fazia-se, no caso inglês, a partir dos portos de Liverpool, Londres, Bristol, Glasgow ou Hull, de onde os navios largavam carregados de armas de fogo, rum, tecidos grosseiros e quinquilharias, em direcção à costa de África. Aí, abasteciam-se de escravos, destinados às plantações e minas no continente americano. Na América, adquiriam as produções tropicais (açúcar, café, algodão, tabaco, etc) que revendiam na Europa



Outra atividade desenvolvida foi a pesca. Próxima a um dos maiores
bancos pesqueiros do mundo (Terra Nova), as colônias da Nova Inglaterra
exploraram largamente a atividade pesqueira. A venda de peles também foi
importante na economia dessas colônias. Do norte das colônias e do Canadá
fluíam, para a Europa, milhares de peles de animais que iriam adornar
roupas elegantes contra o frio do Velho Mundo.


COLÔNIAS DO SUL

As colônias do Sul, por sua vez, abrigaram uma economia diferente.
Seu solo e clima eram mais propícios para uma colonização voltada aos
interesses europeus.
O produto que a economia sulina destacou desde cedo foi o tabaco. A
planta implicou permanente expansão agrícola por ser exigente, esgotando
rapidamente o solo e obrigando a novas áreas de cultivo. O fumo tomou-se
um produto fundamental no Sul.
A falta de braços para o tabaco em pouco tempo impôs o uso do escravo.
Esse trabalho escravo cresceu lentamente, posto que, como vimos, a mão-
de-obra branca servil era muito forte no século XVII.
A sociedade sulina que acompanha essa economia é marcada, como
não poderia deixar de ser, por uma grande desigualdade. Como ressaltou
um contemporâneo, Isaac Weld, logo após a Independência:
Os principais donos de plantações na Virgínia têm quase tudo que querem em sua
própria propriedade. As propriedades grandes são administradas por mordomos e
capatazes, todo o trabalho é feito por escravos... Suas habitações estão geralmente a
cem ou duzentas jardas [90 a 180m] da casa principal, o que dá aparência de aldeia
às residências dos donos de plantações na Virgínia.
Com essa economia mais voltada ao mercado externo, as colônias do
Sul resistirão mais à idéia de independência. Os plantadores meridionais
das 13 colônias temiam que uma ruptura com a Inglaterra pudesse significar
uma ruptura com sua estrutura econômica.
Ilustrando essa idéia, uma testemunha registrava, em 1760, como as
colônias do Sul dependiam da Inglaterra, afirmando que quase todas as
roupas vinham de lá, apesar de o Sul produzir excelente linho e algodão.
Constatava ainda, horrorizada, que apesar de as colônias estarem cheias de
madeira, importam bancos, cadeiras e cômodas.
As colônias centrais teriam sua vida econômica mais ligada à agricultura,
principalmente a de cereais. Últimas colônias conquistadas pela Inglaterra,
predominaram nelas as pequenas propriedades e, a exemplo do Norte,
desenvolveram atividades manufatureiras.
Assim, podemos identificar com clareza duas áreas bastante distintas
nas 13 colônias. As colônias do Norte, com predominância da pequena
propriedade, do trabalho livre, de atividades manufatureiras e com um
mercado interno relativamente desenvolvido, realizando o comércio
triangular. As colônias do Sul com o predomínio do latifúndio, voltado
quase que inteiramente à exportação, ao trabalho servil e escravo e pouco
desenvolvidas quanto às manufaturas. Essas diferenças serão fundamentais
tanto no momento da Independência quanto no da Guerra Civil americana.




OS QUAKERS DA PENSILVÂNIA E OUTROS GRUPOS

Além dos puritanos, as colônias receberam outros grupos religiosos
como os quakers (ou sociedades de amigos), o grupo mais liberal que surgiu
com a Reforma. Tratar-se por “tu”, sem nenhum título, sendo cada homem
sacerdote de si mesmo, eis um dos princípios dos quakers que valeu até a
admiração do pensador Voltaire no Dicionário filosófico.
Ao iniciar sua pregação no Novo Mundo, os quakers encontraram
grande oposição dos líderes puritanos. Alguns foram até mortos como



subversivos, ao mesmo tempo em que suas idéias encontravam eco entre os
desencantados com a rígida disciplina puritana.
A experiência quaker no Novo Mundo foi solidificada quando William
Penn estabeleceu uma grande colônia para abrigá-los: a Pensilvânia. A
Pensilvânia não era apenas um local para refúgio dos quakers, mas também
de todas as religiões que desejassem viver em liberdade e paz. O próprio
Penn referia-se a esse fato como “a santa experiência”.
Nascido em Londres, em 1644, Penn era filho de um almirante
conquistador da Jamaica. Em Oxford, converteu-se aos quakers após ouvir
um animado sermão de Thomas Loe. Há nas idéias de Penn e dos quakers
princípios anarquistas. Penn gostava de dizer: “No cross, no crown” (nem
cruz, nem coroa). Perseguido por suas idéias na Inglaterra, ele desejou
estabelecer uma comunidade-modelo na América, obtendo então uma vasta
extensão de terra a oeste do rio Delaware.
Oferecendo terras gratuitas e a garantia de liberdade religiosa, Penn
atraiu grande quantidade de colonos da Europa e das outras colônias inglesas.
Gente de todas as partes da Europa viu nas propostas do líder uma nova
oportunidade. Dentre eles, por exemplo, alemães e holandeses do grupo
menonita rumaram para a América. (Sua marca até hoje é uma vida no
campo, sem eletricidade ou outros símbolos do mundo industrial.)
Descrevendo os quakers, em 1696, o próprio Penn afirmava que Deus
ilumina cada homem sobre sua missão. Por isso, os quakers insistem em
expressões do tipo: “luz de Cristo dentro de cada homem” e “luz interior”.
Com esses princípios, Penn defendia a grande liberdade religiosa, tendo em
conta que Deus pode falar de maneiras variadas a cada homem.
No início do século XVIII, Filadélfia, capital da Pensilvânia, era uma das
maiores cidades das colônias inglesas e também uma das mais alfabetizadas.
Um viajante a descreve em 1748:
Todas as ruas, exceto as que estão mais próximas do rio, correm em linha reta e
formam ângulos retos nos cruzamentos. A maior parte das ruas está pavimentada...
As casas têm boa aparência, freqüentemente são de vários pisos... A cada ano se
montam duas grandes feiras, uma em 16 de maio, outra em 16 de novembro. Além
destas feiras, a cada semana há dois dias de mercado, às quartas e sábados. Nesses
dias, gente do campo da Pensilvânia e Nova Jersey traz à cidade grande quantidade
de alimentos e outros produtos do campo...
A experiência de Penn funcionou de fato enquanto seu fundador esteve
à frente dela. Os problemas da Pensilvânia longe do governo pessoal do
fundador revelaram-se grandes. Choques entre os grupos religiosos, tentativa



de diminuir a liberdade religiosa e outras tantas desavenças ocorreram,
perturbando o ideal primitivo. No entanto, mesmo que, ao longo do século
XVIII, a Pensilvânia em pouco se diferenciasse das outras colônias, permaneceu
sendo um dos locais de maior tolerância religiosa do mundo.
No século XVIII, um fenômeno chamado “grande despertar” (great
awakening) marcou a vida religiosa das colônias. Uma das características do
movimento foi o surgimento de pregadores itinerantes. Os ministros
religiosos iam de povoado em povoado pregando uma religião mais emotiva
e carismática. Sermões exaltados, conversões milagrosas, entusiasmo e cantos:
as pregações desses pastores atraíam os grupos cansados do formalismo da
religião oficial.
O “grande despertar” foi descrito, em 1743, pelo pesquisador norte-
americano J. Edwards:
Ultimamente, em alguns aspectos, as pessoas em geral têm mudado e melhorado
muito em suas noções de religião; parecem mais sensíveis ao perigo de apoiar-se em
antigas experiências [...] e estão mais plenamente convencidas da necessidade de
esquecer o que está atrás e avançar, mantendo avidamente o trabalho, a vigilância e
a oração enquanto vivam.
Ao valorizar a experiência pessoal da religião, o “grande despertar”
estimulou o surgimento de inúmeras seitas protestantes. Mais importante
ainda, esse movimento procurou negar a tradição religiosa. Como vimos
no documento transcrito, as pessoas devem evitar o apoio de antigas
experiências e esquecer o passado. Isso colabora ainda mais para o
particularismo religioso das colônias.
Também existia uma importante comunidade católica em Maryland.
Apesar de quase 1/3 dos cidadãos norte-americanos serem católicos hoje e
terem fornecido um presidente ao país no século XX (Kennedy), no período
colonial havia grande desconfiança contra os chamados “papistas”. Os católicos
romanos foram vistos como avessos à democracia no período das Guerras de
Independência e fiéis seguidores de uma autoridade estrangeira (o papa),
sendo, por isso, considerados potencialmente perigosos à nova nação.




OS AUTORES

Leandro Karnal
Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e
especialista em História da América, é professor de História da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). Foi chefe do Departamento de História
da mesma instituição. É membro da Associação Nacional de História
(ANPUH) e da Associação Nacional de Pesquisadores de História Latino-
Americana e Caribenha (ANPHLAC). Publicou diversos livros e artigos nas
áreas de História e Ensino, entre eles EUA: a formação da nação, História na
sala de aula (organização) e História da cidadania (co-autor), todos
publicados pela Contexto.
Sean Purdy
Doutor em História pela Queen’s University (Canadá), atualmente é
professor de História da América (com ênfase nos Estados Unidos) do
Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). Foi professor
da Temple University, Filadélfia (EUA) e da Universidade de Brasília (UnB).
Atua na área da História Social do Trabalho da América do Norte e Estudos
Comparativos sobre as Américas. É autor e colaborador de diversos livros e
revistas científicas no Brasil, Canadá, Estados Unidos e Inglaterra. É membro
do conselho editorial da revista histórica canadense Labour/Le Travail.

Luiz Estevam Fernandes
Mestre e doutorando em História Cultural pelo Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp),
é docente do programa de pós-graduação lato sensu da mesma instituição.
Professor de História do ensino fundamental e médio, também é co-autor
de História na sala de aula, publicado pela Contexto.
Marcus Vinícius de Morais
Mestre em História Cultural pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), é professor do ensino médio na região de Campinas e do projeto
Viver Arte em São Paulo. É co-autor de História na sala de aula, publicado
pela Contexto.


Nenhum comentário:

Postar um comentário